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As Crônicas da Peregrina - O Mundo das Almas - parte 3



ANO 5769


Sétimo Ciclo de Peregrinações


Era Domingo de manhã, bem cedinho. Os passarinhos ainda cantavam suas melodias. Não estava frio. Nem calor. Um clima perfeito para dormir mais um pouco. E era exatamente isso que a Peregrina estava fazendo. Deitada em sua cama, enrolada em suas cobertas. Seus cabelos espalhados pelo travesseio. Ela parecia serena e em paz. Ou seria eu parecia serena e em paz?


Eu estava tendo uma visão referente a visão que a Peregrina estava recebendo do passado, da própria Shey. Agora conhecida como a Criança Número Cinco. De mim mesma. Nossa... Que confuso... E eu pensei comigo mesma ao ver essa visão: “Eu estou tendo a visão do futuro aqui no Mundo das Almas do meu Sétimo Ciclo de Peregrinação e a Peregrina está tendo a visão do mesmo ciclo só que no passado em outra dimensão”. Que estranho...


A visão da Peregrina era a seguinte: Eu e Ostem estávamos correndo por um gramado muito lindo, de mãos dadas, brincando e rindo, feito crianças. Mas não erámos mais crianças. Já estávamos em nossa forma adulta espiritual. Eu já havia voltado de meu treinamento no Reino dos Céus.


- “Ostem, vamos!! Mais rápido!!” – eu disse correndo, praticamente arrastando o Ostem para perto de uma elevação, parecia mais uma montanha bem no meio do gramado. – “Vamos subir ali!! Eu te ajudo!”. E começamos a escalar aquele monte.


- “Não parecia que era tão íngreme assim. Estou muito cansado!” – falou Ostem ofegando. Eu logo cheguei no topo daquela montanha. Quando notei o Ostem estava ainda na metade, e de repente ele foi escorrendo. Não tinha forças para subir. Então, eu estendi minhas mãos e falei:


- “Vamos!! Você consegue!” – ajudei ele a se pôr em pê novamente e juntos chegamos ao topo, um do lado do outro. Ele estava muito feliz, apesar de exausto, pegou minha mão e saiu correndo, igual um louco, me arrastando ladeira à baixo.


- “Agora é a minha vez Shey!”.


- “Pra onde você está me levando?”.


- “Vamos ali perto da floresta e descansar embaixo de alguma árvore!”. E ao se aproximar da Floresta, diminuímos o ritmo.

- “Vamos sentar-nos aqui Shey! Quero descansar e ficar um pouco juntos. Adoraria ouvir suas histórias durante sua permanência no Reino dos Céus!”. Ele se aproximou de uma Árvore muito bonita, seus galhos faziam uma sombra grande e quando o Ostem estava para se sentar eu exclamei:


- “Cuidado Ostem!! Não senta aí no chão. Você não está vendo? Pare!”.


- “Mas por qual motivo não posso? Cuidado com o quê?”.


- “Com as formigas venenosas. Você não está vendo?!”. E embaixo da Árvore tinha um formigueiro enorme.


- “Não, Shey. Eu não consigo ver!”.


- “Mas não senta. São letais!”.


- “Tudo bem. Vamos sentar-nos aqui do outro lado” – disse enquanto caminhava para outra Árvore.


- “Não, Ostem!! Aqui também tem formigas!” – e fomos caminhando mais para dentro da floresta. – “Você não vê? Estão por todas as partes!”.


- “Shey, eu não consigo ver o que você vê. Não tenho a visão espiritual, nem a conexão”.


- “Eu sei disso, mas você precisa acreditar em mim. Esse lugar parece seguro, mas é tóxico. Temos que ir embora agora!”.

- “Eu acredito! Vamos voltar para o gramado!”. E quando disse isso, ele foi para a direita e eu para a esquerda e quase que nossas mãos se soltaram. Diante disso, paramos, olhamos um para o outro, sem entender nada. Isso nunca tinha acontecido... Eu ouvi uma trombeta tocando e sabia exatamente o que significava.


- “Ostem, chegou a hora!”.


- “Eu não entendo. Do que você está se referindo? Chegou a hora do quê?”.


- “Eu não queria que fosse tão rápido assim. Mas é o tempo. Vamos nos separar novamente”. E eu olhava as nossas mãos unidas, cada uma resistente em soltar.


- “Eu não quero. É muito cedo. A separação será no Ciclo de Peregrinação? Venha comigo Shey. Por favor. Eu não consigo enxergar as formigas. Como vou saber? Você vai me ajudar. Venha comigo em meu caminho”.


- “A separação não será somente no Ciclo de Peregrinação... Sinto muito. Eu não posso Ostem. Não posso trilhar o caminho que você irá trilhar. Eu realmente tenho a visão e posso sim te ajudar durante sua jornada. Mas a Jornada que você escolheu é a Jornada do Ego. Eu não vou percorrer essa jornada”.


- “Eu entendo. Então, eu quero ir com você! Não me deixe sozinho” – falou muito triste.


- “Você não está pronto para trilhar o meu caminho. Você não tem permissão, é necessário morrer para o ego e você ainda não morreu...” – expliquei com meu coração partido. Nesse momento eu vi a jornada de Ostem referente ao Segundo Ciclo de Peregrinação e continuei:


- “Ostem, eu realmente sei onde estão as formigas. Os perigos. E sei exatamente como vencer cada obstáculo. Eu sei, pois eu vejo. Cada um deles. Eu não tenho permissão para compartilhar com você nenhuma informação, mesmo assim vou dizer em poucas palavras o mais importante. Você confia em mim?”.


- “Eu confio. Você sabe que eu confio”.


- “Sua Jornada não será fácil Ostem. Não posso negar. Você enfrentará muitos obstáculos. Em seu caminho eu vejo muitas formigas por todos os lados e vários outros seres tóxicos que vão te machucar. E outros vão te envenenar e você nem vai se dar conta. E quando se der conta, já estará completamente contaminado. No seu caminho existe vários impedimentos e uma perda muito significativa. Será a montanha mais difícil que você irá escalar. Mas não tenha medo. Nem desista. Eu vejo, que mesmo quase morrendo, sem forças, sangrando e totalmente sozinho, você vai chegar no topo se você escolher morrer para o ego. Eu vejo que durante toda a sua trajetória, um Rio te acompanha. Desde o início até o fim da sua Jornada. Esse Rio sempre esteve lá. Ele sempre está lá. E sempre irá continuar lá. Em alguns momentos de sua Jornada, infelizmente você estará muito longe desse Rio... Às vezes por escolha própria e outras vezes, por escolha inconsciente, que é quando o medo te domina. O Ego e o Medo te afastam das margens desse Rio. No momento que você se deparar com esse Rio novamente, me prometa que vai entrar nele? Sem hesitar? Que você vai se lavar nesse Rio? Ostem, você me promete isso?”.


- “Sim, Shey. Eu não compreendo... Parece que você fala em enigmas... Mas eu prometo! Irei entrar no Rio”.


- “Eu já posso contemplar você entrando nessas águas. Só que você estará muito machucado, sangrando, suas roupas toda rasgada, suja com sangue e lama. Esse Rio tem o poder de te curar por inteiro, mas você precisa se render. E cada vez que você vai mais fundo, sua roupa é limpa, seus machucados são curados, suas feridas e toda toxina do seu corpo é retirado. Parece que você nasce de novo!!”.


- “Eu prometo entrar nesse Rio” – foram suas últimas palavras e então nossas mãos se separaram. Foi uma dor inigualável. Maior da que estou vivendo no Mundo da Almas.


- “Chegou sua hora. Você vai primeiro” – eu disse enquanto via ele caminhado mais para dentro da floresta. Trilhando sua Jornada. Sozinho. Separados em peregrinações. Separados em almas novamente. E agora... Separados em espírito.


Naquele momento a Peregrina acordou assustada e chorando, com suas mãos unidas entre si. Ela não compreendia toda a profundidade da riqueza desse conhecimento, mas entendia que era a resposta que havia pedido algumas semanas atrás em suas orações. Seu coração estava saltando pela boca de tão rápido que batia. Seu corpo todo encolhido de tanta dor que sentia. Olhava suas mãos. A união. A resistência. E aos poucos foi soltando, separando uma da outra.

E em seus pensamentos e em seu coração inconscientemente disse: “Adeus”. A decisão foi feita. “Eu deixo ir”. Mesmo em meio as lágrimas. Se levantou, abriu a porta do quarto. Sentou-se no sofá da sala completamente abismada.


- “Você está bem? Nossa, claro que você não está nada bem. Precisa ir ao hospital?” – perguntou Helen toda preocupada em meio aos livros de estudo.


- “Eu estou bem. Só tive um sonho com o Peregrino”.


- “Vai dizer que você sonhou que ele vai morrer?”.


- “Não. Não foi isso” – eu respondi e tentei contar o sonho, mas não conseguia encaixar tudo perfeitamente. Era muito confuso. Aí eu fui pulando algumas partes.

- “Ufa!! Ainda bem!! Eu já fiquei preocupada. Você sabe que quando você sonha... Coisas acontecem...” – respondeu Helen um tanto aliviada.


- “Eu sei” – disse com uma voz bem baixinha permanecendo no sofá até se recuperar.



* * *


- “Quando penso no passado não tenho mais nada para reviver. Não preciso mais lembrar. Não preciso mais doer. Nem esquecer. Não existe mais necessidade de repetir ciclos. Nossos ciclos... Portanto, todas as lembranças eu deixo ir... Não porque estou completamente curada de todas as feridas, mas simplesmente pela liberdade de não estar presa a nada... Perdoar. Se curar. Esquecer. Ir para dentro para poder seguir em frente com a certeza do caminho certo. Não me arrependo desta decisão. Entre todas as possibilidades possíveis e impossíveis, está é a melhor opção. Acredite... Eu sei. Não espero que me entenda. Não posso mais aguardar. Esse é um Adeus Eterno” – disse Egg pela última vez em sua comunicação compartilhada antes de entrar no Mar do Esquecimento.


Era a última chance de união. E mais uma vez... Ficou sem respostas. Sem hesitar tirou seu Vestido Arco-íris e deixou na areia.

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